Geólogo Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen
Universidade Federal do Pampa – Unipampa | Conselheiro da Câmara de Geologia e Engenharia de Minas - CREA-RS
Geógrafa Profa. Dra. Tania Maria Sausen
Ex-Coordenadora do Grupo Geodesastres-Sul do Inpe
CATACLISMA DE INUNDAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL,
O MAIOR DO BRASIL
A instabilidade se abateu sobre o Rio Grande do Sul em um evento sem precedentes na história, desencadeado por chuvas incessantes durante vários dias, superando os 800 mm, o que resultou em inundações e alagamentos que deslocaram milhares de pessoas de 445 dos 497 municípios do Estado. Há exatamente 83 anos, antes da existência de diques, o nível do rio Guaíba atingiu 4,76 metros, inundando grande parte de Porto Alegre. Agora, ultrapassando essa marca histórica em 0,57 metros, o nível atingiu 5,33 metros. É provável que este evento seja superado no futuro, pois nosso registro de dados é limitado em comparação com eventos ao longo de períodos geológicos mais extensos.
As águas das Regiões Hidrográficas do Rio Grande do Sul têm um curso natural que tende a desaguar atravessando as regiões do Guaíba e Litorânea, assim como em direção a do Uruguai. Devido à predominância das partes mais elevadas do Estado no setor centro-norte, os divisores de água dessas regiões formam bacias, sub-bacias e microbacias hidrográficas, variando de acordo com suas dimensões. Esse padrão de drenagem desempenha um papel fundamental na distribuição e no fluxo das águas ao longo do território gaúcho, influenciando diretamente eventos como inundações e alagamentos em períodos de chuvas intensas (Figura 1a,b).
As consequências desse evento foram devastadoras, com comunidades isoladas, residências destruídas e milhares de pessoas desabrigadas, afetando populações de diversas classes sociais. As inundações provocaram uma onda de refugiados, além de causar a perda de vidas humanas e animais, danos materiais, falta de energia elétrica, água potável, deslizamentos de encostas, rompimento de estradas e pontes, soterramento de residências e destruição de áreas florestais ribeirinhas. O impacto psicológico nessas comunidades atingidas também é incalculável.
Este evento destaca a falta de preparo para lidar com desastres naturais desse porte. Muitas famílias em áreas inundadas relutaram em deixar suas casas por falta de informação, resultando em tragédias evitáveis. Após a diminuição das precipitações, é crucial elaborar materiais informativos acessíveis sobre os problemas enfrentados e as ações a serem tomadas antes de eventos extremos semelhantes. Embora haja abundância de dados técnico-científicos disponíveis, alguns gestores negligenciam esse conhecimento. O Serviço Geológico do Brasil, antiga CPRM, universidades e instituições têm equipes especializadas e muitos materiais foram produzidos, porém, pelo que se vê, pouco foi absorvido pelos tomadores de decisões. Um deste exemplos é o Atlas Ambiental de Porto Alegre que serviu “de modelo a toda Terra”.
Figura 1 - Imagens obtidas pelos satélites do Inpe. a) A imagem pré-desastre foi obtida pelo satélite brasileiro Amazonia-1, em 20 de abril de 2024; e b) imagem pós-desastre foi obtida pelo satélite sino-brasileiro CBERS-4, em 6 de maio de 2024. As áreas inundadas aparecem em marrom claro. Direitos autorais: © Inpe (2024). Carta imagens produzidas pelo Inpe.
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Uma sugestão para facilitar o escoamento das águas do Guaíba seria considerar a abertura de um canal na altura da Lagoa da Reserva, localizada acima de São Simão ou imediações. Este canal poderia potencialmente melhorar o acesso de mercadorias para a Região Metropolitana de Porto Alegre, facilitando o transporte fluvial e reduzindo os custos logísticos. No entanto, é crucial realizar estudos detalhados para avaliar os investimentos (relação custo-benefício) impactos ambientais e as condições hidrodinâmicas da região. Isso inclui análises da salinidade da lagoa, o transporte de sedimentos costeiros e outras variáveis relevantes. Modelagens precisas são essenciais para compreender os efeitos da construção do canal sobre o ecossistema local e garantir que quaisquer intervenções sejam feitas de maneira sustentável e responsável.
O desafio futuro envolve repensar e planejar medidas estruturais, incluindo a manutenção dos diques existentes. O impacto ambiental de uma calamidade dessa magnitude é imenso, afetando tanto o meio físico quanto o biótico. No entanto, muitas vezes, questões ambientais básicas, como o desassoreamento de canais de rios para facilitar o escoamento de água, são negligenciadas. É fundamental repensar estratégias, como parcerias público-privadas para o desassoreamento, visando não apenas à remoção eficiente de sedimentos, mas também à utilização sustentável dos recursos retirados.
Além das medidas estruturais, é fundamental investir em políticas de prevenção e preparação para desastres naturais. Isso inclui a implementação de sistemas de alerta precoce mais eficazes, a realização de simulados de evacuação em comunidades vulneráveis e a educação pública sobre como agir em situações de emergência. Esta última, a educação pública para a prevenção de desastres, ainda é inadequada em nosso País, ao contrário de países da Europa, Estados Unidos e Japão, mais preocupados com tal questão. A conscientização da população sobre os riscos e a importância de seguir as orientações das autoridades pode salvar vidas e reduzir os danos causados por eventos extremos.
Para tal, urge que o Brasil crie programas sérios, organizados e efetivos de prevenção e enfrentamento de desastres, sejam eles provocados por causas naturais ou não. É necessário que essa conscientização inicie já na mais tenra idade, como por exemplo, desde as escolas de nível básico e prossiga até o nível universitário. Que seja fortemente incentivada a criação de grupos e de núcleos de prevenção de mitigação de desastres em todos os níveis da sociedade e em todos os cantos do território nacional, bem como incentivar fortemente a participação da população nessas ações.
Toda vez que ocorre um desastre em nosso País, com as proporções que estamos vendo, atua-se apenas na reação a eles. Porém, se olharmos com cuidado há poucas ações efetivas de prevenção ou remediação porque, frequentemente, estas são abandonadas pelo poder público e pela população em geral à medida que os anos passam e os desastres não ocorrem. A última inundação com proporções semelhantes ao que vimos em Porto Alegre ocorreu em 1941, no século passado, e a maioria da população que vivenciou já esqueceu dela ou já morreu, a população atual tem apenas notícias históricas sobre ela.
Desastres não devem ser esquecidos, eles são repetitivos, recorrentes, ocorrem no mesmo lugar e com diferentes magnitudes, isso deve sempre ser lembrado pelas autoridades e pela população em geral. Todos nós somos agentes que contribuem para a existência de um desastre.
Outro aspecto crucial é a revisão das políticas de uso do solo e do planejamento urbano. Muitas vezes, áreas de risco são ocupadas de forma inadequada, sem considerar os potenciais impactos de inundações e deslizamentos. É essencial adotar medidas para evitar a ocupação de áreas suscetíveis a desastres naturais e promover o ordenamento territorial adequado, priorizando a segurança e o bem-estar das comunidades.
Além disso, é importante destacar a necessidade de cooperação internacional e regional no enfrentamento de desastres naturais. O compartilhamento de recursos, conhecimentos e melhores práticas entre países e regiões pode fortalecer a capacidade de resposta e recuperação diante de eventos extremos. Iniciativas de cooperação, como intercâmbio de experiências, treinamento de equipes de emergência e assistência humanitária, podem contribuir significativamente para a mitigação dos impactos de desastres naturais e para a construção de comunidades mais resilientes.
Este evento ressalta a importância da colaboração nacional, onde pessoas e entidades de todo o Brasil se unem para salvar vidas e reconstruir comunidades. Reestruturar requer uma análise minuciosa das áreas de risco, envolvendo profissionais de diversas disciplinas, como Engenharia, Agronomia e Geociências. É necessário um esforço conjunto de órgãos governamentais, ONGs, universidades e instituições para promover mudanças significativas em nossa sociedade.
Por que as ações estruturais em momentos de crise são mais eficientes e rápidas? São por que dispensam as burocracias? Por que não houve manutenção ou substituição das bombas e comportas? São diversos questionamentos que pairam na cabeça de muitos.
Parabéns e obrigado a todos os envolvidos por sua dedicação e solidariedade diante desta tragédia. Juntos, podemos superar esta terrível ocorrência, mas é crucial repensar a ocupação de áreas de risco e adotar medidas preventivas para o futuro.
REFERÊNCIA
INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espacias. 2024. Disponível em: . Acesso em: 10 mai 2024.
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